Dia 1 – 23 de Abril de 2011
Mergulho 2:
A odisseia começou ainda no quarto. Se vestir um fato semi-seco, com os vedantes assim para o justos, consegue desmotivar o mergulhador mais entusiasta, vestir um fato molhado pode assumir contornos surreais. Felizmente havia um sofá e tempo. Muito tempo. Pois era necessário parar, respirar fundo e recuperar o fôlego. Não é que vestir o fato seja uma tarefa assim tão cansativa, mas as gargalhadas que acompanharam a acção propriamente dita tiveram um efeito meio para o relaxante. Mas, num fim-de-semana de férias, o que se pode querer mais, além de mergulhos com fartura e boa disposição?
Pois bem, já de fato vestido, saímos do hotel. Já não chovia. O céu continuava nublado, um pouco de vento norte, e a perspectiva de mais um mergulho tranquilo. Chegados ao porto de embarque, a azáfama do costume, montar equipamento, verificar garrafas, últimos preparativos e embarcar.
Uma curta viagem de barco através de um mar tranquilo, para o que estamos habituados, levou-nos ao local do mergulho. As viagens de barco têm um efeito estranho em mim, levam-me para outros tempos e lugares, o vento na cara e a sensação de liberdade evocam tempos idos, recordações longínquas de piratas e aventuras, conquistas e tesouros por descobrir. Desta feita temperados com algo novo… o aroma a esteva, trazido pelo vento, não me deixava esquecer o Reino dos Algarves, que tão generosamente nos recebeu e que nos ia desvendar mais alguns dos seus segredos. Apesar de, inicialmente, o plano ser um mergulho em gruta, uma análise à ondulação perto das rochas levou o nosso Chefe, o Raul, a desistir deste mergulho, pois a fola estaria demasiado forte. Em vez disso, ficou combinado um mergulho numa das paredes adjacentes. O barco deu uma pequena volta, e eis-nos a calçar barbatanas, a verificar mais duas fugas em dois equipamentos (um deles era o meu, por sinal, uma mangueira mal apertada), que felizmente foram resolvidas. Após o OK geral, o grupo salta para a água. Coloquei a máscara e, pela primeira vez até hoje, uma sensação de perda… o aroma da esteva deixou-me, ainda que temporariamente, e fez-me concentrar nos outros sentidos. Olhei para debaixo de água pela primeira vez. Água azul profundo a acompanhar a escarpa, que se adivinhava já na superfície. Há algo de majestoso nas paredes… o tamanho, a imponência, a maneira como elas enfrentam, impávidas e serenas, a força das marés, momento após momento. E a vida que já cá em cima se conseguia vislumbrar… Descemos lentamente, os meus ouvidos foram meus amigos, e não deram sequer sinal de desconforto. Ao invés disso, aquele suave barulho do ar através do regulador, e das bolhas de ar a procurarem o seu caminho até à superfície. Um fundo irregular, recortado por rochas arredondadas pela força das águas e cravadas de vida. Desta feita não vi gorgónias. Ao invés disso, umas pequenas algas azuladas, outras alaranjadas, e ouriços. Corais, anémonas. Aqui e ali, pontuavam a superfície das rochas, os tentáculos fluindo ao sabor da água. Uma curva, e surpresa, uma rocha inteira forrada com anémonas! Dir-se-ia o cabelo de uma qualquer entidade marinha, tal era a densidade de anémonas, os tentáculos a moverem-se em sintonia. E ouriços, aqui e ali. A fola, por vezes um pouco mais forte, a fazer-me voar. Um mergulho tão simples, 8-10m, e a sensação indescritível de fazer parte do mar, de me mover para trás e para diante ao sabor da fola, em perfeita harmonia com as algas, as anémonas, e tudo o que nos rodeava… Limitei-me a relaxar, e a seguir o meu buddy, o Chefe Raul, ao longo do fundo irregular. Momentos havia em que quase me fundia com as rochas, mas no último instante a fola invertia o seu movimento e voltava a afastar-me. Os peixes do costume, que ainda não consigo identificar pelo nome. Um polvo, grande, a espreitar-nos desde um buraco na rocha. O sol que por vezes espreitava por entre as nuvens, colorindo um cenário já de si encantador. Dir-se-ia que o sol vinha de baixo para cima nestas alturas… por todo o lado a cor ganhava vida, deleitando o meu campo de visão. E sempre aquela sensação a acompanhar-me, de não existir enquanto Joana, e de fazer parte de algo muito maior: o Oceano. Um mergulho tão tranquilo, relaxante, completamente inebriante… pois se é verdade que já houve mergulhos fabulosos, este foi o primeiro em que me fundi verdadeiramente com a água. Um grupo tranquilo, a confiança completa no buddy, a generosidade dos Elementos… e o tempo a passar, inexoravelmente, o manómetro a relembrar-nos que o mar não é o nosso meio, e que estava na hora de regressar à superfície. Assim o fizemos, lentamente, a curtir os últimos minutos lá em baixo, que se transformaram demasiado depressa em segundos, tendo finalmente chegado à superfície. E aqui sim, a sensação de mergulhar no Algarve… quando retirei a máscara, fui novamente inundada pelo aroma da esteva. Aquele cheiro quente e adocicado, trazido pelo vento Leste, a deixar-me feliz por regressar ao meu meio . O sabor salgado do mar na minha cara, as andorinhas do mar a chilrearem lá do alto… O complemento entre a superfície do mar e a escarpa… e o contraste entre o frio da água e a temperatura amena do ar… um mergulho com os cinco sentidos
Não podendo manter-me neste devaneio demasiado tempo, lá subimos para o semi-rígido. Não estava fundeado, o que trouxe uma dose extra de esforço à subida… mas apenas para, já na segurança da embarcação, agradecer ao Senhor dos Oceanos ter apadrinhado mais uma incursão ao seu Reino .
Por:
Joana Catarina Mendes