Tuesday, 16 March 2010

O Primeiro Mergulho no U-Boat 1277 em 2010: "O defeso de Inverno" por Miguel Pereira

O defeso de Inverno, este ano, foi muito severo. Muitos dias sem mergulhar. As semanas, umas após as outras, arrastavam-se numa interminável dúvida sobre o aquecimento global. Timidamente, foram aparecendo uns raros rasgos de mar que mais não serviam que para desenjoar e sempre para daqui para fora.

Contas à vida?

Quantas e quantas, todas a perguntarem se daria para apanhar um avião e 20 Kilos de material. “e este Inverno que não nos deixa”, comentava todo aquele que, alheio ao mergulho, não fazia mais que fazer ecoar as palavras dele nas nossas: “e este mar que não acalma”…

Foi pois com perplexidade e entusiasmo reservado que esta terça-feira dia 16 deste nosso mês de Março, aceitei o desafio, graças a esta recente acalmia no estado do mar, que a hora a que escrevo já se foi, de ir dar uma tolada no submarino.

Eram dez horas, quando o patrão do cabinado comunicou com as autoridades portuárias do porto de Leixões a nossa visita submarina. O mar estava calmíssimo. Um lago sereno. Sereno e tão espesso que nos fazia temer pelo sucesso do mergulho. Cabo a baixo, todos a perguntarem a si mesmos se, chegados ao fundo, não seria melhor abortar o mergulho.

A minha primeira impressão, depois de ultrapassados os 25metros e mesmo antes de avistar o nosso anfitrião, numa água fresquinha de 12º-13ºC foi de centenas de pontinhos vermelhos a olharem para mim.

E de repente, lá está ele, li-te-ral-men-te (escrevo-o sílaba a sílaba para que se entenda que não vou escrever usando figuras de estilo) encastrado em caramujos (“nassas”) tal qual um pitoresco altar destas pitorescas igrejas de pescadores.
Já vi artesanato deste teor.

Mas isto era um artesanato vivo pelas mãos desta nossa natureza por vezes tão estranha, por vezes tão bela e por vezes, como é este o caso, as duas.

E depois todos aqueles pontinhos vermelhos, sempre aos pares, pertencentes a camarão. Oh meus amigos! Eu não mergulho assim há tanto tempo, mas eu, pessoalmente, nunca fui recebido por mais camarão do que aquele que estava na mesa dos frios do meu primeiro e segundo casamentos... juntos (podem comentar porque elas dão-se bem :)

Talvez vocês já tenham visto mais... Eu não! E os Santiagos e as solhas.



N.C. Santiago, Cavaco : Scyllaridae Latreille, 1825

Scyllarus arctus **


Video ilustrativo por Ricardo Cordeiro


O nosso submarino era com toda aquela fraca visibilidade de 3/4metros, um salão de banquetes e nós chegamos à hora da festa.

Estivemos de tal forma integrados que os nossos 20 minutos de fama para aquela noite, já tinham sido ultrapassados em quase 2 e com pena nos despedimos deste que foi, sem sombra de dúvida, uma das melhores visitas ao submarino.



Deepstop aos 12m*, patamar obrigatório junto à garrafa suspensa aos 5 metros que partiu muda e chegou calada de novo ao barco tal era o estado de relax destes insuspeitos visitantes que acabaram felizes, contentes e cheios com Heinekens na mão e excelentes hamburguers na boca.


Sem dúvida, um mergulho memorável. A tomar nota para futuros visitantes: o nosso submarino está cheio de redes emaranhadas, e talvez, a abundância destas e de peixe aprisionado nestas, explique a descomunal presença de caramujo e de camarão.


Os maiores habitantes e residentes do submarino: Congros


N.C: Lavagante: Homarus gammarus (Linnaeus, 1758)
N.C. Anémona-do-mar ou actínia Actinothoe sphyrodeta (Gosse, 1858)
* Perfil de Mergulho:













DIVE LOG por MIGUEL PEREIRA
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fica um agradecimento a Marco Santos pela cedência destas fantásticas imagens que tão bem ilustram a fauna característica do submarino U-1277.

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REPRODUCTIVE BIOLOGY OF THE SLIPPER LOBSTER SCYLLARIDES DECEPTOR HOLTHUIS, 1963 (DECAPODA: SCYLLARIDAE) IN THE SUBTROPICAL SOUTHERN BRAZILIAN COAST

Referência da página:

http://www.pluridoc.com/Site/FrontOffice/default.aspx?Module=Files/FileDescription&ID=959〈=pt